MINIRROTATÓRIA EM CURITIBA – UMA EXPERIÊNCIA DE CIDADANIA 23/09/2011 - 14:30
Tudo começou com uma reunião de vizinhos apavorados com uma violência que não é do trânsito – embora todas as violências guardem alguma relação com ele, já que os agressores sempre têm que fugir no final. O que afligia os moradores do pequeno bairro chamado Hugo Lange, o menor de Curitiba, era um mal que atinge a todos: assaltos, invasões e roubos, além de, é claro, acidentes de trânsito.
Era 2006, tínhamos muitas dúvidas e só duas certezas: que não dava para confiar nos mecanismos públicos de proteção ao cidadão e que precisávamos reagir, tomar uma atitude.
Com a ajuda do amigo Alexandre Bruel Stange, capitão da PM paranaense, aprendemos que o ambiente inseguro é gerado por vários motivos e que, ao contrário do que se possa imaginar, medidas muito simples como travar conhecimento com seu vizinho pode ser tão efetivo – e até dar mais resultado – do que aumentar o efetivo policial nas ruas!
Descobrimos, admirados, que a própria natureza nos mostra nos mecanismos de defesa entre caça e predador, que uma boa camuflagem, adaptações do ambiente e de hábitos, gera proteção. Ao nos tornarmos desinteressantes para os amigos do alheio, ficamos automaticamente mais seguros.
Mas como conseguir isso em comunidade? Com comunicação, conhecimento e ação cidadã. Se o bem é comum, todos merecem dele desfrutar, mas todos também precisam dele cuidar. Visualizar com mais clareza isso, nos fez ir dos assaltos aos atropelamentos e colisões com a mesma percepção básica: não podemos impedir condutores distraídos, violentos, irresponsáveis de passar por nosso bairro, mas podemos tornar o nosso bairro menos convidativo aos apressadinhos de plantão.
Foi assim que, com nossas percepções ativadas e tomados por um espírito cooperativo e maduro do ponto de vista da cidadania, selecionamos a violência do trânsito, cujas ocorrências eram significativas, no nosso primeiro objetivo. O grande desafio foi convencer a URBS e o IPPUC, órgãos responsáveis pela engenharia de tráfego e operação do trânsito na cidade, a acatar o estudo técnico que nós mesmos fizemos.
Como estávamos organizados, com argumentos plausíveis e com representatividade – criamos um CONSEG – Conselho de Segurança, ganhamos a atenção adequada do órgão público. E, apesar de uma natural resistência dos técnicos, conseguimos a realização de um teste prá valer. Sugerimos a implantação de rotatórias nos cruzamentos mais problemáticos do bairro. Depois de várias reuniões e muita discussão, o cruzamento das ruas Fernandes de Barros e Jaime Balão foi eleito como laboratório, e destinado a receber uma minirrotatória.
Dia 19/04/11 entrou para a história do menor bairro de Curitiba. A Fernandes de Barros e a Jaime Balão nunca mais foram a mesma esquina, de uma colisão, em média, por semana. De lá para cá, nenhum acidente. O pequeno Hugo Lange experimentou e provou que, organizados, o cidadão pode muito. Pode até interferir no plano de trânsito de uma grande cidade e ajudar o órgão público a tornar nossa aldeia mais segura.
A percepção de riscos e a inteligência e ações coletivas, nos ensinaram algumas lições que descrevo aqui na esperança de que sirvam de inspiração para outros tantos pontos críticos das cidades brasileiras:
a) só em se organizar, de alguma forma, faz aumentar a segurança. Grupos organizados, afinados, que conversam, pensam e agem em torno de um objetivo como esse, criam uma aura de segurança em torno de si. Provavelmente porque defensável, é justo, e é merecido.
b) a violência do trânsito, que não é a única, mas é daquelas extremamente importante pois gera outras violências, normalmente não é percebida como tal. Mas se bem tratada, tem o poder de afetar positivamente todas os outros setores da vida em sociedade, e contribui de forma efetiva para também amenizar as outras violências.
c) os órgãos públicos podem – e até acho que há uma boa disposição para isso – ouvir mais e melhor, e atender os apelos diretos dos cidadãos. Mas estes pedidos, solicitações, criticas e reclamações têm de ser consistentes, organizadas e representativas.
O CONSEG do Bairro Hugo Lange conseguiu isso graças aos seus membros, vizinhos e moradores do bairro, mesmo àqueles que nunca foram nas reuniões. Todos os que sorriram ao ver a rotatória funcionando, apesar de não saberem, estavam colaborando para uma percepção positiva de todos. E isso, sutilmente, gerou uma influência poderosamente organizadora. Hoje temos mais segurança. E fomos nós mesmos que a conquistamos. Siga nosso exemplo.
Este post foi ao ar terça-feira, setembro 20th, 2011 às 11:05 na categoria Trânsito e a Sociedade. Você também pode assinar nosso RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback do seu site.
4 respostas para “Minirrotatória em Curitiba – uma experiência de cidadania”
1. Gustavo Marquini escreveu:
setembro 20th, 2011 às 17:43
Muito interessante a solução que foi adotada. Acredito fortemente que o maior desafio foi convencer os órgãos locais de trânsito uma vez que em geral eles são pouco flexíveis, ainda mais considerando que o local da solução era um pequeno baixo.
Grande vitória
2. Celso Alves Mariano escreveu:
setembro 20th, 2011 às 21:08
Foi mesmo Gustavo. Mas além de termos levado um estudo bem fundamentado, encontramos profissionais de fato bem preparados, tanto quanto aos aspectos técnicos, quanto ao respeito para com o cidadão. O fato de estarmos realmente representando nossa comunidade foi muito importante. E é exatamente isso o que mais falta a este tipo de reivindicação: nenhum órgão de trânsito minimamente organizado e competente sairia atendendo “quem chora mais” ou apenas o interesse deste ou daquele. Na medida que as pessoas se dediquem ao interesse público com bom senso, seriedade e disposição para aprender – e não pedir bobagens – os avanços acontecem.
3. Gustavo Marquini escreveu:
setembro 21st, 2011 às 10:19
Moro em Campinas em um Bairro afastado chamado Barão Geraldo. O bairro é composto em sua maioria por universitários e como consequência temos alguns problemas inerentes, como aumento de roubos no inícios das aulas e durantes as férias, muitos motoristas dirigindo alcoolizados e mesmo violência contra as mulheres. A associação do bairro tem feito um bom trabalho mas o engajamento com os órgãos inicialmente não foi fácil.
Era 2006, tínhamos muitas dúvidas e só duas certezas: que não dava para confiar nos mecanismos públicos de proteção ao cidadão e que precisávamos reagir, tomar uma atitude.
Com a ajuda do amigo Alexandre Bruel Stange, capitão da PM paranaense, aprendemos que o ambiente inseguro é gerado por vários motivos e que, ao contrário do que se possa imaginar, medidas muito simples como travar conhecimento com seu vizinho pode ser tão efetivo – e até dar mais resultado – do que aumentar o efetivo policial nas ruas!
Descobrimos, admirados, que a própria natureza nos mostra nos mecanismos de defesa entre caça e predador, que uma boa camuflagem, adaptações do ambiente e de hábitos, gera proteção. Ao nos tornarmos desinteressantes para os amigos do alheio, ficamos automaticamente mais seguros.
Mas como conseguir isso em comunidade? Com comunicação, conhecimento e ação cidadã. Se o bem é comum, todos merecem dele desfrutar, mas todos também precisam dele cuidar. Visualizar com mais clareza isso, nos fez ir dos assaltos aos atropelamentos e colisões com a mesma percepção básica: não podemos impedir condutores distraídos, violentos, irresponsáveis de passar por nosso bairro, mas podemos tornar o nosso bairro menos convidativo aos apressadinhos de plantão.
Foi assim que, com nossas percepções ativadas e tomados por um espírito cooperativo e maduro do ponto de vista da cidadania, selecionamos a violência do trânsito, cujas ocorrências eram significativas, no nosso primeiro objetivo. O grande desafio foi convencer a URBS e o IPPUC, órgãos responsáveis pela engenharia de tráfego e operação do trânsito na cidade, a acatar o estudo técnico que nós mesmos fizemos.
Como estávamos organizados, com argumentos plausíveis e com representatividade – criamos um CONSEG – Conselho de Segurança, ganhamos a atenção adequada do órgão público. E, apesar de uma natural resistência dos técnicos, conseguimos a realização de um teste prá valer. Sugerimos a implantação de rotatórias nos cruzamentos mais problemáticos do bairro. Depois de várias reuniões e muita discussão, o cruzamento das ruas Fernandes de Barros e Jaime Balão foi eleito como laboratório, e destinado a receber uma minirrotatória.
Dia 19/04/11 entrou para a história do menor bairro de Curitiba. A Fernandes de Barros e a Jaime Balão nunca mais foram a mesma esquina, de uma colisão, em média, por semana. De lá para cá, nenhum acidente. O pequeno Hugo Lange experimentou e provou que, organizados, o cidadão pode muito. Pode até interferir no plano de trânsito de uma grande cidade e ajudar o órgão público a tornar nossa aldeia mais segura.
A percepção de riscos e a inteligência e ações coletivas, nos ensinaram algumas lições que descrevo aqui na esperança de que sirvam de inspiração para outros tantos pontos críticos das cidades brasileiras:
a) só em se organizar, de alguma forma, faz aumentar a segurança. Grupos organizados, afinados, que conversam, pensam e agem em torno de um objetivo como esse, criam uma aura de segurança em torno de si. Provavelmente porque defensável, é justo, e é merecido.
b) a violência do trânsito, que não é a única, mas é daquelas extremamente importante pois gera outras violências, normalmente não é percebida como tal. Mas se bem tratada, tem o poder de afetar positivamente todas os outros setores da vida em sociedade, e contribui de forma efetiva para também amenizar as outras violências.
c) os órgãos públicos podem – e até acho que há uma boa disposição para isso – ouvir mais e melhor, e atender os apelos diretos dos cidadãos. Mas estes pedidos, solicitações, criticas e reclamações têm de ser consistentes, organizadas e representativas.
O CONSEG do Bairro Hugo Lange conseguiu isso graças aos seus membros, vizinhos e moradores do bairro, mesmo àqueles que nunca foram nas reuniões. Todos os que sorriram ao ver a rotatória funcionando, apesar de não saberem, estavam colaborando para uma percepção positiva de todos. E isso, sutilmente, gerou uma influência poderosamente organizadora. Hoje temos mais segurança. E fomos nós mesmos que a conquistamos. Siga nosso exemplo.
Este post foi ao ar terça-feira, setembro 20th, 2011 às 11:05 na categoria Trânsito e a Sociedade. Você também pode assinar nosso RSS 2.0 feed. Você pode deixar uma resposta, ou trackback do seu site.
4 respostas para “Minirrotatória em Curitiba – uma experiência de cidadania”
1. Gustavo Marquini escreveu:
setembro 20th, 2011 às 17:43
Muito interessante a solução que foi adotada. Acredito fortemente que o maior desafio foi convencer os órgãos locais de trânsito uma vez que em geral eles são pouco flexíveis, ainda mais considerando que o local da solução era um pequeno baixo.
Grande vitória
2. Celso Alves Mariano escreveu:
setembro 20th, 2011 às 21:08
Foi mesmo Gustavo. Mas além de termos levado um estudo bem fundamentado, encontramos profissionais de fato bem preparados, tanto quanto aos aspectos técnicos, quanto ao respeito para com o cidadão. O fato de estarmos realmente representando nossa comunidade foi muito importante. E é exatamente isso o que mais falta a este tipo de reivindicação: nenhum órgão de trânsito minimamente organizado e competente sairia atendendo “quem chora mais” ou apenas o interesse deste ou daquele. Na medida que as pessoas se dediquem ao interesse público com bom senso, seriedade e disposição para aprender – e não pedir bobagens – os avanços acontecem.
3. Gustavo Marquini escreveu:
setembro 21st, 2011 às 10:19
Moro em Campinas em um Bairro afastado chamado Barão Geraldo. O bairro é composto em sua maioria por universitários e como consequência temos alguns problemas inerentes, como aumento de roubos no inícios das aulas e durantes as férias, muitos motoristas dirigindo alcoolizados e mesmo violência contra as mulheres. A associação do bairro tem feito um bom trabalho mas o engajamento com os órgãos inicialmente não foi fácil.